quinta-feira, 24 de maio de 2012


Nós, que nos amávamos tanto

Frio. Estava frio. Não sei se fora ou dentro do quarto. Provavelmente, fora. Mas por que eu sentia tanto frio?
- Nós não temos mais nada para dizer um ao outro. - ela disse.
- Como? – eu perguntei, incrédulo
- Não temos mais assunto. - ela repetiu.
- Estou com frio. Você está sentindo frio? – Eu perguntei, fechando a janela.
- Não. E não importa.
- O aquecimento não está funcionando direito. No mínimo, estragou novamente.
Ela me puxou pela camisa:
- Você me ouviu.
- Sim, mas do que você está falando?
- De nós dois. Nós precisamos conversar.
- Eu não entendo. – disse sincero – Há pouco você disse que não tínhamos mais sobre o que conversar.
- Foi uma metáfora.
- Você agora fala em metáforas? – Eu perguntei, sentando na cama e olhando-a nos olhos. Ela permanecia impassível.
- Foi e é uma metáfora de que o amor se foi.
- Como assim: se foi? Do jeito que você fala parece que ele nunca esteve aqui.
- Não me torture – ela pediu, levando a mão aos olhos. Estava chorando? – Estou tentando ser adulta. Tendo uma conversa de adultos.
- Conversa de adultos? É assim que os adultos conversam? Pois eu prefiro ser criança. Prefiro não entender sobre o que os adultos falam...
- É por isso que não dá mais certo – ela interrompeu.
- Do que afinal nós estamos falando? – eu perguntei, me levantando. Procurei um cigarro. Tinha parado de fumar.
- De nós dois. E de como já não somos mais felizes.
- Você não é feliz?
- Não. Você é?
- Eu sou. Eu a amo. E sempre pensei que você me amasse também.
- Eu amei...- Ela me olhou com um sorriso frágil nos lábios.
- Quer dizer que já não ama mais.
- Não sei. Não tenho mais certeza.
- Por quê? Eu tenho culpa?
- Também não sei. Talvez seja eu a culpada. Nós já não temos mais sobre o que conversar...
- É uma metáfora de novo? – eu perguntei com raiva.
- Você está sendo tolo...
- Como assim, tolo? Há pouco era uma metáfora. Não é mais?
- Você lembra como a gente sempre tinha assunto? Lembra como as nossas conversas eram intermináveis...
- E não são mais?
- Você não notou, não é? Não percebeu que há muito a gente só fala sobre contas e salários e compras e...
- E sobre o que mais, duas pessoas adultas, que conversam constantemente, deveriam conversar?
- Sobre nós. Sobre as coisas que nós gostamos. Sobre as coisas que sonhamos ou queremos, sobre os nossos planos.
- Nós já falamos sobre tudo. Me diga, conte pra mim os seus planos, me diga o que eu ainda não sei...
- Seu ceticismo não ajuda em nada.
- Perdão. Perdão – eu repeti, o frio me consumindo.- Não quero parecer incrédulo. Eu realmente quero conversar.
- Não há mais nada sobre o que conversar – ela encostou a mão na minha – Eu acho que a gente acabou de conversar.
Eu retirei a minha mão e berrei:
- É uma metáfora, certo? Toda essa merda de conversa é uma metáfora. Me diga claramente: o que você quer?
- Eu quero ir embora. – ela disse calmamente.
Eu senti muito frio. Um arrepio percorreu meu corpo. Tive vontade de gritar e de bater nela. De socar-lhe o estômago enquanto ela gemesse de dor e implorasse perdão. De esbofetear-lhe o rosto, de puxar-lhe o cabelo, de fazê-la contorcer-se no chão e implorar piedade. E então eu diria: viu como você ainda tem alguma coisa para me dizer?
Mas me calei. E puxei um casaco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário