Nós, que nos
amávamos tanto
Frio. Estava
frio. Não sei se fora ou dentro do quarto. Provavelmente, fora. Mas por que eu
sentia tanto frio?
- Nós não temos mais nada para dizer
um ao outro. - ela disse.
- Como? – eu perguntei, incrédulo
- Não temos mais assunto. - ela
repetiu.
- Estou com frio. Você está sentindo
frio? – Eu perguntei, fechando a janela.
- Não. E não importa.
- O aquecimento não está funcionando
direito. No mínimo, estragou novamente.
Ela me puxou
pela camisa:
- Você me ouviu.
- Sim, mas do que você está falando?
- De nós dois. Nós precisamos
conversar.
- Eu não entendo. – disse sincero –
Há pouco você disse que não tínhamos mais sobre o que conversar.
- Foi uma metáfora.
- Você agora fala em metáforas? – Eu
perguntei, sentando na cama e olhando-a nos olhos. Ela permanecia impassível.
- Foi e é uma metáfora de que o amor
se foi.
- Como assim: se foi? Do jeito que
você fala parece que ele nunca esteve aqui.
- Não me torture – ela pediu,
levando a mão aos olhos. Estava chorando? – Estou tentando ser adulta. Tendo
uma conversa de adultos.
- Conversa de adultos? É assim que
os adultos conversam? Pois eu prefiro ser criança. Prefiro não entender sobre o
que os adultos falam...
- É por isso que não dá mais certo –
ela interrompeu.
- Do que afinal nós estamos falando?
– eu perguntei, me levantando. Procurei um cigarro. Tinha parado de fumar.
- De nós dois. E de como já não
somos mais felizes.
- Você não é feliz?
- Não. Você é?
- Eu sou. Eu a amo. E sempre pensei
que você me amasse também.
- Eu amei...- Ela me olhou com um
sorriso frágil nos lábios.
- Quer dizer que já não ama mais.
- Não sei. Não tenho mais certeza.
- Por quê? Eu tenho culpa?
- Também não sei. Talvez seja eu a
culpada. Nós já não temos mais sobre o que conversar...
- É uma metáfora de novo? – eu
perguntei com raiva.
- Você está sendo tolo...
- Como assim, tolo? Há pouco era uma
metáfora. Não é mais?
- Você lembra como a gente sempre
tinha assunto? Lembra como as nossas conversas eram intermináveis...
- E não são mais?
- Você não notou, não é? Não
percebeu que há muito a gente só fala sobre contas e salários e compras e...
- E sobre o que mais, duas pessoas
adultas, que conversam constantemente, deveriam conversar?
- Sobre nós. Sobre as coisas que nós
gostamos. Sobre as coisas que sonhamos ou queremos, sobre os nossos planos.
- Nós já falamos sobre tudo. Me
diga, conte pra mim os seus planos, me diga o que eu ainda não sei...
- Seu ceticismo não ajuda em nada.
- Perdão. Perdão – eu repeti, o frio
me consumindo.- Não quero parecer incrédulo. Eu realmente quero conversar.
- Não há mais nada sobre o que
conversar – ela encostou a mão na minha – Eu acho que a gente acabou de
conversar.
Eu retirei a
minha mão e berrei:
- É uma metáfora, certo? Toda essa
merda de conversa é uma metáfora. Me diga claramente: o que você quer?
- Eu quero ir embora. – ela disse
calmamente.
Eu senti
muito frio. Um arrepio percorreu meu corpo. Tive vontade de gritar e de bater
nela. De socar-lhe o estômago enquanto ela gemesse de dor e implorasse perdão.
De esbofetear-lhe o rosto, de puxar-lhe o cabelo, de fazê-la contorcer-se no
chão e implorar piedade. E então eu diria: viu como você ainda tem alguma coisa
para me dizer?
Mas me calei.
E puxei um casaco.
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