terça-feira, 21 de maio de 2013

Retorno

Caro João,

É muita febre que eu sinto. Ressinto. Trava-me os olhos quase cegos de chorar. Não tenho tristeza, não tenho alegria, não tenho motivos de dizer. Por isso, há tempos não te escrevia. Secou-me o léxico, a vida. Vadia. Deixou-me são.

Silêncio. Interior da selva:

Para onde seguem os elefantes esquecidos? Que manada é essa de rotina vã?

Corta para o sofá da sala. Preto. Amassado. Vazio.

Rasguei tua última missiva, sabias? Não tinha espaço no meu arquivo para letras tão tortas, palavras tão secas, desordenada forma de se fazer entender. Rasguei. Não tenho vergonha. Mas li. E, disfarçadamente, apreendi o sentido.

Finjo-me de inocente. No carpet imundo da sala, resta uma lembrança tua. A marca insípida do teu descuido. Olho para ela e não te enxergo. Já não resta ilusão.

Arrasta-me a sensação de dor. E essa febre que não passa. Traspassa, João.