Caro João,
Hoje eu acordei só.
Mais só do que eu merecia, como diz o poeta.
É, eu sei. Era corpo, não era alma.
São as dores da doença, João. As cicatrizes da ausência.
Talvez eu mereça porque não enxerguei o que era óbvio. Esqueci
que o amor tem muitos disfarces.
São as lezeras da solidão.
Eu me arrasto nessa cama sem querer presença. Porque a noite
é insone. Porque o sonho é recortado pela angústia de tantas palavras não
ditas, de tantas cartas não escritas, tantas coisas nas gavetas, tantos sim-não
sem sentido, tantos nomes nunca ditos, tantas sujeiras varridas, tantos silêncios
sufocantes, tantos mesmos, tantos mesmos.
Só você que entende, João. Esse discurso sem nexo, essas
elipses e seus significados. Essa carta para o mundo.