Caro João,
Não há mais tempo para ver as fotos amareladas. Será que ainda vivem lá aqueles seres sorridentes? Será que ainda perduram a cabeleira, o aparelho nos dentes, as mãos sem manchas? Ou será que se mudaram, que o cachorro não está mais molhado, que não há mais enquadramento? Ou lá é um mundo congelado no tempo?
Tenho medo de vasculhar aquelas gavetas. Tenho receio de rever lembranças que finjo que escondo, de encontrar pessoas que a vida me levou, de encarar sentimentos que só pra ti eu conto.
Lembra dos sorrisos, João? Eram largos, profundos, sinceros, como se quase tudo fosse de brincadeira e despertasse a gargalhada. Lembra das aventuras, dos porres, das ressacas...
Parece que não existiam lágrimas naquele tempo. Eu provo (se remexer nas gavetas). E talvez não existissem mesmo. Pelo menos, não estão registradas em instantâneos. Talvez elas tenham nascido depois, quando deixamos de fotografar a vida em papel.
Que intervalo foi esse entre o registro da alegria e a porrada do tempo?
Hoje, parece que ficamos monocromáticos. Já reparou que até nossas roupas ganharam tons pastéis com os anos? O registro de cor até existe, aqui e ali, mas é apenas uma nota dissonante no uniforme cinza e azul que usamos costumeiramente.
Ando a reclamar muito do tempo, não é? Ele não tem culpa, é só o agente desse amarelamento da vida.
Porque lá, naquele mundo impresso em papel fotográfico, as cores são bem vivas. Lá, eu ainda acreditava, não sei no quê, e não importa. Lá, a poesia ainda me consumia.
Divago, eu sei, João, porque essa missiva é catártica. E me assalta a ideia de rever essas fotografias. Mas tenho medo de remexer nas gavetas.
Não há mais tempo para ver as fotos amareladas. Será que ainda vivem lá aqueles seres sorridentes? Será que ainda perduram a cabeleira, o aparelho nos dentes, as mãos sem manchas? Ou será que se mudaram, que o cachorro não está mais molhado, que não há mais enquadramento? Ou lá é um mundo congelado no tempo?
Tenho medo de vasculhar aquelas gavetas. Tenho receio de rever lembranças que finjo que escondo, de encontrar pessoas que a vida me levou, de encarar sentimentos que só pra ti eu conto.
Lembra dos sorrisos, João? Eram largos, profundos, sinceros, como se quase tudo fosse de brincadeira e despertasse a gargalhada. Lembra das aventuras, dos porres, das ressacas...
Parece que não existiam lágrimas naquele tempo. Eu provo (se remexer nas gavetas). E talvez não existissem mesmo. Pelo menos, não estão registradas em instantâneos. Talvez elas tenham nascido depois, quando deixamos de fotografar a vida em papel.
Que intervalo foi esse entre o registro da alegria e a porrada do tempo?
Hoje, parece que ficamos monocromáticos. Já reparou que até nossas roupas ganharam tons pastéis com os anos? O registro de cor até existe, aqui e ali, mas é apenas uma nota dissonante no uniforme cinza e azul que usamos costumeiramente.
Ando a reclamar muito do tempo, não é? Ele não tem culpa, é só o agente desse amarelamento da vida.
Porque lá, naquele mundo impresso em papel fotográfico, as cores são bem vivas. Lá, eu ainda acreditava, não sei no quê, e não importa. Lá, a poesia ainda me consumia.
Divago, eu sei, João, porque essa missiva é catártica. E me assalta a ideia de rever essas fotografias. Mas tenho medo de remexer nas gavetas.