sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O monstro embaixo da cama


- Não apague a luz - ele disse.
- Por quê? - ela perguntou, já com o dedo no interruptor.
- Tem um monstro embaixo da cama.

E tinha. Embora as outras pessoas não acreditassem, ou mesmo não o vissem, o monstro estava lá. Todas as noites, desde seus sete anos de idade, o monstro aparecia. Não lhe permitia um sono tranquilo e, muito menos, a escuridão. Por essa razão era celibatário.

Tinha tido inúmeras discussões com ex-amantes incrédulas, embora a grande maioria não tivesse coragem suficiente para olhar embaixo da cama e conferir. Foram discussões intermináveis. Algumas dramáticas, outras nem tanto, mas todas terminavam, invariavelmente, com a separação.

A solução eram os motéis, mais dispendiosos e frios, mas menos assustadores. Isso porque o monstro não o acompanhava a esses lugares. Devia ter lá seu código de ética no qual estava escrito que camas utilizadas exclusivamente para o prazer carnal não mereciam sua aparição. Fazer o quê? Coisas de um monstro pudico. Morava apenas lá, embaixo da sua cama pessoal.

E a dificuldade dos motéis estava nas relações mais longas, aquelas nas quais as mulheres começavam a estranhar esse gosto por quartos impessoais. “Você não leva nosso relacionamento a sério”, diziam, e insistiam em frequentar a sua casa. Algumas vezes, ele até conseguia fazer sexo sem ter que dar explicações sobre a luz, mas quando elas passavam a noite, aí não tinha defesa, o jeito era contar. E ele tinha que contar. Uma mulher que pretendesse dividir sua vida com ele, de forma compromissada, precisava saber a verdade: tinha um monstro embaixo da cama.  

- O quê? – Ela perguntou, puxando o lençol sobre o corpo comprimido.
- Eu sei que parece estranho, mas tem.
- Estranho? É loucura!

Às vezes, uma desculpa:
- Quero poder te ver - ele insiste.
- Tenho vergonha - ela diz, com um sorrisinho de aquiescência.
- Não tem porque se envergonhar – ele a abraça – somo iguais.

Algumas mulheres são mais complicadas:
- Não sei, não me sinto bem com tanta claridade. Parece... parece que estou traindo alguém.
- E está?
- Não, é claro que não. Mas é que desde menina tenho essa sensação de infidelidade quando faço amor no claro. Acho que é um trauma de infância ou coisa parecida.
- É o que o seu analista diz?
- Aquele lá não diz nada. Não sei por que eu pago tão caro a alguém só para me ouvir. Eu deveria ser católica.
- Católica? Como assim?
- Os católicos têm o confessionário, não sabia? É análise gratuita. E o melhor é que você sai aliviado, sem sentimento de culpa.
- Será? Eu tenho minhas dúvidas...
- Do alívio?
- Sim, do alívio. E também da confissão. Eu não acredito que as pessoas contem todos os seus pecados. Além disso, tem a questão tempo. Não é verdade que se formam filas nos confessionários? Então, como é que as pessoas vão ficar à vontade para falarem tudo que o que quiserem?
- Isso é verdade. Mas, de qualquer forma, posso apagar a luz?
- Não. Vamos discutir melhor essa questão. De onde vem esse sentimento de infidelidade?
- Se nem meu analista descobre, como vou saber? Talvez não seja infidelidade, realmente. É só que a claridade me deixa muito exposta, como se cada gesto ou movimento do meu corpo estivesse sendo observado, entende?
- Entendo. É medo?
- Também, mas não só isso. É muito difícil traduzir em palavras esse sentimento. Talvez não exista uma palavra que possua o significado do que eu sinto.
- E meia-luz?
- Como?
- Meia-luz, não serve?
- Prefiro o escuro total.
- Não dá nem pra negociar? Eu tenho um abajur. Veja: – ele diz, já testando sua teoria – eu o ligo, desligo a lâmpada do teto e fica um clima bem interessante...
Ele a abraça e arrasta para o travesseiro, dando-lhe suaves beijos no pescoço.
- Não, não, eu não consigo ficar à vontade. – Ela diz, se desvencilhando dele.
Ele senta-se, visivelmente irritado. Acende um cigarro:
- Desse jeito, não vamos transar nunca!
- Claro que sim. Basta que você apague a luz.
- Está vendo? – ele acende a luz e apaga o abajur – Aí, quem não se sente bem sou eu.
- Você tem medo do escuro?
- Medo? – Ele pergunta, quase se afogando com a fumaça do cigarro – Como assim, medo?
- Só pode ser – ela toma-lhe o cigarro e dá uma tragada – Se você não transa no escuro é porque tem medo.
- Não é medo... eu apenas não gosto do escuro.
- Você dorme com a luz acesa?
- Durmo.
- É fobia?
- Não sei, talvez. Mas o que é agora? Vai me interrogar? E você, não tem fobia de transar no claro?
- Não. No meu caso o trauma é só de transar... Quer saber? Tô de saco cheio disso...
- Perdão – ele a abraça – está bem: eu tenho medo.
- Mas, por quê?
- Sei lá, é esse tipo de coisa que não se explica. É só medo do MONSTRO.
- O que o seu analista diz?
- O analista? É como você diz: melhor ser católico!
Mais uma vez, uma relação sem futuro.