Caro
João,
Sabe
quando você se pergunta por que as meias sempre furam no dedão? É. Não é no
calcanhar, nem na sola do pé, é no dedão. Será que os seus dedos crescem ou as
traças sentem um prazer mórbido em mordiscar a cobertura do dedão? E por que as
fábricas, tão evoluídas tecnologicamente, ainda não descobriram um jeito de
fazer meias que não furem nos dedões?
Parece
bobagem, não parece? Não só parece como é. Mas eu comecei essa carta assim
porque queria te falar sobre os detalhes.
Esses
instantes que passam, acontecem, e se não fosse por eles, a nossa vida poderia
ser diferente.
Sabe
do que estou falando?
Daquela
vez que você voltou pra buscar uma caneta e perdeu o ônibus e teve que esperar
meia hora até pegar o próximo. Merda! E tantas canetas poderiam ser compradas
no caminho...
E
daquela vez que você disse “Vou pensar e te respondo amanhã”, e amanhã já não
havia mais chance, nem resposta a ser dada.
Ou
daquele beijo que você não deu, daquela palavra que não foi dita: obrigado, te
amo, estou feliz assim, quero mais, prefiro de outro jeito...
E
tudo mudou desde então.
Como
é que você descobre que está sendo traído, João?
Porque
há um silêncio frio durante o jantar? Por que as suas piadas já não são mais
engraçadas? Ou por que você não presta mais atenção naquela história que ouviu
mil vezes?
Pode
ser qualquer coisa: uma xepa de cigarro de uma marca diferente deixada na
sacada, uma toalha dobrada de forma diferente, um perfume novo, uma resposta
errada...
E
tudo que era perfeito deixa de ser.
Sabe
por quê? Porque não existe receita e você não prestou atenção nos detalhes. São
eles que fazem a diferença.
Você
conhece a história do cara da gravata? Ele preferiu comprar a gravata de
algodão ao invés da de seda. Pois bem, naquele dia o trem estava saindo e ele enfiou
a pasta na porta para poder entrar, mas o motorista fechou a porta mesmo assim.
Ele puxou a pasta, mas a gravata continuou trancada na porta. Ele saiu correndo
e tentando puxar a gravata, mas não conseguiu porque ela era de algodão e mais
forte que a de seda, que teria se rasgado. Ele teve a cabeça arrancada no final
da estação.
Não
sei porque as meias sempre furam no dedão, mas eu prefiro comprar só gravatas
de seda.
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