quinta-feira, 28 de junho de 2012

Três vezes Miranda

Eu conheci Miranda, a menor, quando tínhamos sete anos e fomos matriculados na mesma escola. Ela usava uns óculos de vidro grosso e o cabelo invariavelmente amarrado num “rabo de cavalo” que pouco valorizava os seus fios dourados. Dizer que era possível valorizar o rosto daquela menina até que é muito, porque de bonita ela não podia ser chamada. Além dos olhos, que enxergávamos como se fosse através de uma lente de aumento, tinha o nariz grande demais para seu rosto ovalado e o corpo muito magro e desengonçado. Talvez sua maior qualidade fosse a paciência, que exercitava diariamente, sempre muito silenciosa e compenetrada durante as aulas. Mas não me entendam mal, não é que fosse feia. Apenas não é o que poderia se chamar de uma menina bonita, dessas que chamam a atenção. Essa foi a primeira Miranda que eu conheci, a Ângela. Só mais tarde é que descobri que havia mais duas: Rita, a do meio, e Sandra, a mais velha. Elas eram irmãs, como era de se esperar, e moravam a duas quadras da minha casa. Todos os sábados à noite eu as via caminhando para a igreja,abraçadas, numa escadinha humana, da mais alta para a mais baixa: Ângela, Rita e Sandra. Enquanto crescíamos, nunca as víamos nos bailinhos de fim de semana ou no cinema. Nunca variavam muito as roupas. Era comum ver uma Miranda num dia usando a roupa que a outra usara na semana passada, e vive-versa. Rita,a Miranda do meio, não usava óculos e tinha o hábito de ousar na indumentária. Percebia-se que para ela as saias tornavam-se mais curtas, as blusas mais decotadas e os batons mais vermelhos. Sandra, a mais velha, tinha a pele muito clara, usava óculos de aro fino e tinha o nariz da irmã mais nova - ou essa o da outra, provavelmente. Era a mais falante e aparentemente mais inteligente das três, sempre muito simpática e sorridente. Embora fosse feia. Como as irmãs. Nós, os rapazes do bairro, tínhamos muita curiosidade sobre a vida das Miranda. Por que nunca saíam de casa, a não ser para ir à escola e à igreja? Não namoravam? Não dançavam? Não gostavam de cinema? Não percebíamos na época, mas era essa a característica que as diferenciava de todas as outras moças do bairro. Talvez por vontade própria, ou não, o magnetismo que exerciam estava exatamente no fato de serem diferentes, isoladas e tão próximas, tão parecidas e tão distantes do resto da escola. Quando ficamos mais velhos, muitos de nós nos distanciamos,formamos família, deixamos a escola e o bairro e nunca mais nos vemos. Eu, pelo menos, nunca mais vi as Miranda e até as esqueci por completo. Até que conheci Clarice. A jovem bela à minha frente, olhos claros, cabelos louros, sorriso bonito. “Clarice do quê?”, eu perguntei.“Miranda”, respondeu. Sim, lá do bairro, filha da Rita. “Sei quem é o senhor.Minha mãe sempre fala do senhor”, ela me disse, com uma expressão esperta de simpatia. “E como vai a sua mãe? E as suas tias?”, perguntei curioso. E foi assim que fiquei sabendo que a Miranda do meio não casara, apenas tivera uma filha num romance eventual. Que as irmãs, essas continuavam castas, na sina contínua de serem diferentes de todas as mulheres (senhoras?) do bairro. Está viva, sim, como as irmãs. Moram juntas, lá no bairro. E quem quiser vê-las, basta ir à igreja, no sábado à noite. Não perguntei se apenas as três. Não ousei.Pois acabara de conhecer mais uma Miranda. Que agora eram quatro.

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