terça-feira, 19 de junho de 2012

Sobre o que não foi dito


- Parece cansado.
- Pareço?
- Teve um dia difícil?
- Cheio.
- Você deveria trabalhar menos. Talvez...
- É preciso.
- Como?
- É necessário. O negócio depende de mim e, além disso, eu gosto de trabalhar. Me toma o tempo.
- Tudo bem, eu não quis ser inconveniente. Desculpe.
- Não, você não foi. Eu é que peço desculpas....

Estavam de pé, diante um do outro. Não fazia muito sentido a conversa que estavam tendo.
Ele não imaginou essa introdução. Pensou que, talvez, ela viesse até ele e lhe desse um abraço, quem sabe um beijo, mesmo que na face. Então, eles sorririam, falariam de banalidades como o tempo, o trânsito, e a nova cor dos cabelos dela. Estavam avermelhados. Um tom qualquer entre o vermelho e o laranja, o que lhe ressaltava a palidez do rosto. Dizem que as mulheres procuram mudar quando querem iniciar um novo ciclo em suas vidas, como se um regime, um novo corte de cabelo ou uma plástica possam apagar as lembranças não muito agradáveis do passado.

- Não quer sentar?
- Obrigada.

O garçom veio até eles. Anotou os pedidos dela, enquanto ele brincava com o guardanapo de pano.
Ela pensou em desistir. Teve vontade de sair, dar as costas a ele e todo o resto, sem prestar satisfação nenhuma. Achou que não deveria ter aceitado o convite, pois no momento em que o viu foi como se este último mês não tivesse acontecido. Parecia que ainda ontem tinham se encontrado. E como foi tola! De que adiantava pintar os cabelos e renovar o guarda-roupa, se nada mudaria quando o visse?
O garçom se afastou e seus olhos novamente se encontraram.

- Tenho pensado em você.
- Por favor, não foi para isso eu que vim.
- Eu sei, só que não posso evitar. Eu penso.
- Está bem. Sobre o que você pensa?
- Em você e em nós...
- Já não existe mais um nós. Não perca seu tempo com isso.

Silêncio. Ele tomou mais um gole do uísque.

- Quantos copos você já bebeu?
- Não contei.
- Você não deveria beber tanto. Não vale a pena.
- Eu não bebo. É só hoje. Precisava de coragem.
- Para falar comigo? Desse jeito você me faz sentir culpada, e eu não deveria, não é mesmo?
- Estive na nossa casa, ontem.
- Esteve?
- Passei por lá. Está vazia. Você deveria ir morar lá.
- Não quero. As recordações não são boas.
- Nenhuma delas?
- Houve um tempo em que foi bom.
- Foi, não foi? Nós rimos muito naquela casa.
- Até não termos mais motivos.
- Eu não rio mais.

Ela abriu a bolsa, pegou um cigarro e o acendeu. Ele lembrou-se da primeira vez desse gesto. Eles estavam sentados como agora, só que no bar da faculdade. Ele achou que havia cometido um tremendo erro, pois não tinha a intenção de namorar uma fumante. Porém, quando o tempo foi passando, as garrafas vazias se acumulando sobre a mesa e o assunto ficando cada vez mais interessante, nem o mau hálito e o cheiro da fumaça importavam mais. Era ela. Não sabia como, mas sabia que havia encontrado uma mulher que lhe dava prazer só no fato de estar junto. E valeu a pena. Cada hora e dia que estiveram juntos tinham significado mais do que ele próprio desejara. Parecia que nada poderia mudar isso.

- Engraçado. Você que me traiu e eu é que me sinto culpada.
- Não tenho mais como pedir perdão.
- Por que me contou? Por que, diabos, você tinha que me contar?
- Não sei. Não podia mais esconder de você. Não era justo...
- Vocês têm se visto?
- Como?
- Você a vê? Fala com ela?
- Não, não. Nunca mais a vi. Eu já disse, não acredita?
- Sim, desculpe. Só não consigo conviver com isso.
- E você acha que eu consigo?
- Não sei. Mas não me peça para entender como você consegue me amar, se me traiu.
- Nem me peça para explicar, eu não conseguiria.

Ela apagou o cigarro enquanto o garçom substituía os copos.

- Não posso ficar mais. Tenho que ir.
- Um compromisso?
- Sim.
- De que tipo? Posso saber?
- Você quer saber se eu tenho um encontro?
- Desculpe, eu não tenho o direito.
- Não tem mesmo, mas posso dizer: não é um homem.

Ele esboçou um sorriso e pôs a mão sobre a mesa em direção a dela, que brincava com a haste da taça. Ela percebeu e retirou a mão, antes que ele a tocasse.

- O que você queria falar comigo?
- Nada. Só conversar.
- Não há mais muito para se dizer.
- Eu não acho.
- Não acha?
- Não. Na verdade acho que não dissemos nada.
- Foi dito quase tudo e quase tudo não adiantou.
- Quase... então alguma coisa fez efeito.
- Eu não quis dizer isso. Quis dizer que conversar não resolve os nossos problemas.
- E o que resolveria?

Ela acendeu outro cigarro. Ele pensou em abraçá-la e beijá-la como um louco. Pensou em ajoelhar-se e pedir perdão diante de todo mundo.

- Talvez não haja solução.
- Se é assim que você pensa, só me resta acreditar.
- Eu lamento.
- Não lamente.

Ele tomou o resto do uísque num gole só e fez sinal ao garçom para trazer a conta.

- Ao menos, pense a respeito.
- Do quê?
- Da casa. Em morar lá.

Ela pensou em chorar e no quanto seu coração estava partido e no quanto amava o homem à sua frente. 

- Há uma placa de venda, não há? Com certeza, alguém vai se interessar.
- Está bem.
- Preciso ir.

Levantou-se. Não estendeu a mão, nem o rosto, nem ele levantou-se.

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